quarta-feira, 4 de outubro de 2006

Ruivães nas Invasões Francesas I

(...)


Deste modo a 14 de Maio, o Marechal Soult em Guimarães conseguia reunir tudo o que lhe restava do II Corpo – cerca de 18 000 homens, salvo urna pequena guarnição que se mantinha em Tuy.

Deixava atrás de si 1200 feridos e doentes nos hospitais do Porto e 800 nos hospitais de Viana e Braga.

Se o mau tempo dificultava a marcha das tropas; tanto francesas como Luso-Britânicas, também conservava grande parte das populações recolhidas nas suas casas, o que permitiu a Soult chegar até ao Pombeiro sem ser muito molestado, contudo a partir desta localidade as guerrilhas do Minho formadas na base de elementos das Ordenanças não mais irão deixar em paz as suas tropas.

Em Guimarães, ao deparar com as pesadas e ricas impedimentas bem engordadas com os assaltos e rapinas de Loison e Lorges, Soult mantém a férrea decisão de destruir tudo o que pudesse embaraçar a marcha do seu exército, tal como fizera em Paredes.

Os cavalos e muares da Artilharia, que foi aqui igualmente destruída, foram carregados com viveres para o exército e munições para espingarda.

Tirando partido do terror que o nome do «Maneta» inspirava às populações, de momento a sua principal dificuldade, Soult colocou no comando da sua guarda avançada o General Loison com a divisão Heudelet e os Dragões de Lorges; seguiam-se os cavalos e mulas da Artilharia com as munições e víveres que se puderam transportar; marchavam depois as divisões de De Laborde e Merrnet; a guarda da retaguarda, comandada directamente pelo Marechal que assim destinava para si o posto de maior risco, era formada pela Infantaria de Mede e a Cavalaria Ligeira de Franceschi.

Enquanto o II Corpo se preparava para prosseguir na sua marcha a partir de Guimarães, Wellesley que deixáramos em Vila Nova de Gala, passa ainda a 12 para o Porto, onde foi usufruir do almoço que Soult, na sua pressa não pudera comer, e à noite tem o prazer de deparar com uma cidade que festejava com luminárias a sua chegada.

Os dias 12 e 13 gastou-os Wellesley a transportar a Artilharia, o trem e as bagagens das suas forças, de Gaia para a margem norte do Douro, servindo-se para o efeito das embarcações que pôde encontrar, já que a Ponte das Barcas havia sido destruída por Soult no dia 11, circunstância que tornou a operação bastante morosa.

Para mais, grande parte dos mantimentos necessários às tropas tinha ficado em Coimbra e era preciso fazer avançar essa parte do trem, já que na Cidade nada foi encontrado, senão Vinho do Porto em abundância, e do qual era necessário afastar as tropas, caso contrário haveria resultados desastrosos para a disciplina.

Durante esses dois dias de grande azáfama, Sir Artur tomou duas medidas que se impunham de imediato, e foram bastante importantes:

Proteger da vingança popular os feridos e doentes que Soult deixara nos hospitais da Cidade, e impor com mão férrea a disciplina e a ordem nas ruas do Porto, onde a sua falta já fora a origem de graves desastres anteriormente; para tal nomeou Governador Militar com poderes civis o Coronel Trant.



Porque tem interesse e nos dá de modo lapidar um testemunho de que a ética militar atingira já estádios de grandeza, aqui se transcreve a Proclamação do Marechal-General do Exército Britânico e General-em-Chefe das forças conjuntas Luso-Britânicas aos habitantes do burgo portuense:


PROCLAMAÇÃO Arthur Wellesley, General-em-Chefe do Exército Britânico em Portugal, e Marechal-General do Exército de S.A.R o Príncipe Regente. = FIABITANTES DO PORTO: —As tropas Francesas foram expulsas desta Cidade pela bravura e disciplina do Exército que comando. Eu exijo dos habitantes, que compassiva e humanamente se comportem para com as referidas Tropas, que aqui se acharem doentes ou prisioneiras.

Pelos Leis de Guerra eles têm direito à minha Protecção e é m dever prestar-lha, e será mui consciente com a generosa Magnanimidade dá Nação Portuguesa o não serem vingados nestes infelizes indivíduos os ultrajes e calamidades que a mesma Nação sofreu, porque eles só foram instrumentos de outros mais Poderosos, que ainda existem em armas contra nós.

É pois por conseguinte que eu ordeno, que os habitantes desta Cidade permaneçam tranquilos nas suas casas, e que pessoa alguma que não seja pertencente ao Corpo Militar se apresente armado nesta Cidade; ficando na certeza que no caso de contravenção, ou de se acharem ultrajados, ou atacados os referidos indivíduos, serão punidos os réus, como transgressores das minhas ordens.

Tenho nomeado ao Coronel Trant, Comandante desta Cidade, até que as determinações do Governo de S. A. R. não hajam de obstar a esta nomeação; e ao mesmo Comandante tenho ordenado que se use de todas as medidas necessárias para que esta Proclamação seja obedecida, e produza os desejosos efeitos de uma completa tranquilidade, e sossego, do que depende a paz, que ansiosamente solicito.

Quartel-General do Porto. 13 de Maio de 1809.

(a)     Arthur Wellesley




Até ao fim do dia 13, Wellesley ainda com grande parte da sua artilharia em falta, desconhecia por onde, misteriosamente) desaparecera Soult e as suas tropas.

Só a meio da tarde deste dia recebeu a informação enviada por Murray, que com a Legião Alemã e dois esquadrões avançara até Baltar, de que tinha sido ouvida uma fortíssima explosão para os lados de Penafiel, e de que grandes núvens de fumo eram avistadas à distância; tal facto deixava supor, entre outras possibilidades, o que se teria passado naquela área, mas a confirmação do ocorrido e o destino de Soult só foram obtido quando se apresentou às avançadas de Murray o secretário português do General Quesnel que fora (pela segunda vez) o encarregado francês da Administração Civil da cidade do Porto

O volúvel e prestimoso secretário, ao perceber que os seus patrões estavam na mó de baixo e não apreciando muito os ásperos atalhos por onde se metera o Duque da Dalmácia com as suas tropas, montou a cavalo e tranquilamente veio procurar os novos senhores da Cidade, a quem, para garantir a sua aceitação «forneceu preciosas informações que o haviam de salvar de ser acusado de traição por ter servido o inimigo.

Ele deu meticulosos e detalhados informes de tudo o que tinha acontecido à coluna de Soult, e tinha presenciado a sua partida na senda atribulada para Guimarães.

Apenas sobre Loison ele não tinha certeza; este oficial, disse ele continua provavelmente em Amarante, a conter Silveira e Berestord».

Murray, após se ter assegurado, na manhã de 14, de que Loison também partira para Guimarães lançou-se através da Serra de Santa Catarina no encalço de Soult, levando consigo duas peças de Artilharia, o que constituiu sem dúvida uma proeza, mas também um retardamento para a sua marcha.

Não conseguindo alcançar a retaguarda do I Corpo, «ele apanhou, contudo, vários Franceses extraviados e contemplou os corpos de muitos mais que tinham sido assassinados pelos camponeses».

Enquanto Wellesley, aguardando que chegassem de Coimbra os mantimentos para as suas tropas, estava relativamente paralizado, Berestord, chegado a 13 a Amarante, enviava Silveira a 14 com as suas forças para barrar na área de Salamonde a marcha de Soult para Chaves.

Contudo o duro Marechal britânico vai inexplicavelmente demorar 3 dias em Amarante, para só a 15 partir para Vila Real a caminho de Chaves, que só atinge na madrugada de 17.

Do lado francês a marcha prosseguia, em condições duríssimas, na manhã de 14 partida de Guimarães e à noite foi atingido o vale do Cavado a norte de Póvoa de Lanhoso.

O gosto um pouco romântico da época levou alguns autores a compor aqui uma cena tão impregnada de um sabor de gesta alexandrina como de irrealidade: Soult a formar as suas tropas nos locais onde, meses antes travara a «Batalha de Póvoa de Lanhoso» ou seja o Combate de Carvalho de Este contra o Barão de Eben, e a reanimar, com um belo discurso, as suas tropas abatidas. A realidade era outra, era a fome generalizada, os pés descalços e em ferida dos seus homens, os uniformes rotos e sujos, uma chuva inclemente e um inimigo a morder-lhe nos calcanhares.

Também Le Noble concorreu para a criação desta fábula, quando escreve: «O marechal fez formar todas as divisões sobre os mamelões que se levantam em anfiteatro, desde a ribeira do Lanhoso até abaixo de São João de Rei, ele modo que de todos os lados cada um visse como ainda éramos numerosos e que as perdas se reduziam à artilharia destruída voluntariamente...», mas tanto Naylies como o próprio Soult são omissos neste episódio, nítido produto do estilo panegirista do ordenador Le Noble.

Soult ainda nesta altura foi tentado a seguir a linha de retirada do Alto Minho e para tal, a 15, lançou um reconhecimento sobre Braga, com a Cavalaria de La Houssaye; mas quando os franceses se aproximavam da Cidade dos Arcebispos já ali acabavam de entrar as avançadas de Wellesley, o que levou a pôr definitivamente de parte aquela opção.

È verdade que Soult tinha ainda a possibilidade de tentar bater Wellesley e abrir caminho para Tuy, mas com Silveira nas proximidades de Ruivães a sua posição continuava crítica: «O tempo urgia, porque o exército inglês iria entrar em Braga e eu não podia impor-lhe uma batalha com o exército português nas costas».

Só restava ao Duque da Dalmácia lançar-se afoitamente na direcção de Salamonde através das íngremes vertentes da Serra da Cabreira sobre o rio Cavado.

Desde o vale do rio Ave as populações, conduzidas pelos clérigos e elementos preponderantes das localidades próximas, ata cavam sem descanso a tropa francesa, a quem o mau tempo e os péssimos caminhos dificultavam a marcha tornando-a numa autêntica via dolorosa para os imperiais.

«Perto de Guimarães dois infantes doentes não podiam mais marchar; a guarda da retaguarda quis fazê-los montar a cavalo para os salvar, mas eles estavam tão sucumbidos pelo cansaço que se recusaram.

Apanhados rapidamente pelos camponeses que nos perseguiam, foram, ainda vivos e aos nossos olhos, atirados às chamas de um incêndio».

A caça ao II Corpo era um desafio que desde o início estava perdido para os seus perseguidores que utilizavam tropas regulares com Artilharia e as suas pesadas impedimentas.

Para mais tanto Wellesley como Beresford partiam da falsa premissa de que a Soult só restavam dois itinerários possíveis para a sua retirada: ou o de Braga a Tuy, ou o de Braga a Chaves. Silveira tinha sido enviado para os desfiladeiros da Serra da Cabreira dentro desta errónea convicção.

Aliás Wellesley, alguns dias depois, por não ter conhecimento do itinerário seguido pelos franceses, justificava a fuga com sucesso do inimigo «atendendo que ele tomara caminhos por onde se não emprega um exército que não tenha feito os mesmos sacrifícios»

Mas vejamos quais as posições relativas das diferentes tropas, com base na data de 14 de Maio:

Wellesley mantinha-se no Porto com o grosso das suas tropas e só a 15 as suas avançadas atingirão Braga;

Murray entra ao fim do dia em Guimarães;

Beresford continuava em Amarante, de onde sairá para Vila Real e Chaves a 15.

Silveira sai neste dia de Amarante, na direcção da área de Ruivães a fim de cortar a passagem aos franceses para Chaves.

Soult atinge ao fim do dia a região de São João de Rei, junto ao Cavado, sobre a estrada para Salamonde; é pois notório o seu avanço.

Apesar do mau tempo e das chuvas contínuas que então se fizeram sentir, apesar dos péssimos caminhos e das dificuldades do terreno que eram sentidas por todos os corpos das diferentes tropas, Soult, graças à sua capacidade de decisão e à audácia firme da sua atitude, tinha uma grande vantagem: um exército aligeirado, sem os carros lentos e pesados dos trens, sem as carretas da Artilharia, apto a marchar rapidamente através dos piores caminhos, aspectos que se não verificavam nos seus perseguidores.

Além do mais, tanto Wellesley como Beresford perderam tempo precioso, o primeiro entre os dias 12 e 15 de Maio, no Porto, à espera da Artilharia e Trens das suas torças; o segundo em Lamego de 8 a 12 e depois em Amarante de 13 a 15 de Maio o que lhe não permitiu atingir Chaves antes das primeiras horas do dia 17, data em que Soult passa a fronteira de Montalegre.

Teria sido impossível a Beresford interceptar a marcha de Soult?

Difícil talvez, mas impossivel julgo que não o foi: No dia 14 Berestord ainda em Amarante, enviou por Cabeceiras de Basto até Ruivães, dois Oficiais do seu estado-maior, o Major Warre e o Capitão Gomes que vieram em reconhecimento e pesquisa de informações; Soult estava ainda nos arredores de São João de Rei, e torna-se assim evidente que Beresford teve a possibilidade de ter cortado em Salamonde a passagem do I Corpo se em vez de se ter limitado a enviar com uma pequena escolta dois Oficiais, tivesse feito avançar uma companhia que fosse, capaz de guardar qualquer das difíceis passagens por onde Soult teria de se aventurar, orientando e dirigindo a defesa das pontes do Saltadouro, de Rês e da Misarela, a fim de demorar ali os franceses até que o grosso das suas forças e as de Wellesley pudessem cair-lhe em cima.

Afinal quem acabou por impor a Soult um novo itinerário e barrar a progressão do II Corpo para Chaves foi o General Silveira, posicionado em Ruivães sobre a estrada para aquela praça.

Se é fácil a posteriori fazer a crítica dos acontecimentos, também evidente que as acusações dos autores ingleses a Silveira atribuindo-lhe o insucesso da perseguição a Soult são infundadas e procuram escamotear a falta de uma audaz inspiração que oportunamente iluminasse a mente de Beresford repousado em Amarante.

O próprio Soult explica muito claramente porque tomou a direcção de Montalegre: «eu não podia, também, retomar a direcção de Chaves, o caminho pelo qual tínhamos vindo aquando da minha entrada em Portugal. Na sequência do abandono de Amarante, Silveira pôde marchar para o norte tão rapidamente como os ingleses. Ele tinha ultrapassado Chaves e cortado a ponte de Ruivães, sobre a qual passa a estrada de Braga.

O General português, instalado à retaguarda dessa ponte, ocupava uma posição impossível de forçar».

Vê-se deste modo que a missão de Silveira era a de uma defesa estática apoiada nos obstáculos quase intransponíveis que na região a orografia levanta ao avanço de um exército; as suas forças, aliás, não tinham qualquer capacidade para se oporem em combate aberto às forças francesas.

O Duque da Dalmácia tinha a seu favor importantes vantagens:

Tropas aligeiradas e cerca de dois dias de marcha de distância e avanço sobre o seu mais próximo perseguidor — Wellesley, A sua retaguarda será atingida apenas no desfiladeiro de Salamonde e na passagem da Ponte da Misarela, onde o aperto da mesma impôs uma demora e um alongamento à coluna de marcha excessivos.





(continua na proxima quarta-feira)



Para ler o texto na integra, aqui.

3 comentários:

Cousin disse...

E nunca foi encontrado nenhum vestígio desta invasão na nossa vila ou nos aredores, armas por exemplo etc etc ... Foi muito interessante de ler esta passagem... OBRIGADO

paulo disse...

nos anos 80 apareceram alguns franceses, mais sabedores da História talvez e, andaram pela zona à procura de vestigios; não sei se encontraram alguma coisa.

aurani disse...

Paulo, se me permite, foram encontrados alguns vestigios das invasões francesas, no entanto, algumas dessas reliquias desapareceram misteriosamente. O relato do desaparecimento, de alguns vestigios de interessse foi feito na decada de 80 por um arqueólogo bracarense.