A Conclusão da Retirada do II Corpo
A última tropa de Soult a passar a Ponte da Misarela e a deixar aquele cenário de morte e horror, foi a brigada Reynaud da divisão Merle, entre as dez e a meia-noite de 16 para 17; na tarde de 16 o Marechal atingira Paradela, onde estabelecera o seu quartel-general.
«Wellesley, então, desistiu de qualquer esperança em apanhar o II Corpo … ele fez alto com a infantaria britânica em Ruivães e mandou apenas em perseguição da hoste fugitiva o 14.º de dragões britânico e a divisão Silveira».
Sendo a vereda imprópria para a Cavalaria e apenas normalmente utilizável para elementos apeados, Silveira tomou a dianteira dos perseguidores:
«Os franceses tinham desaparecido e foi apenas na manhã seguinte (de 17) que Silveira os seguiu no caminho de Montalegre. Ele capturou vários retardatários na marcha, mas ao chegar à pequena povoação (de Montalegre), viu que a retaguarda de Soult tinha já partido duas horas antes».
Na verdade Soult, partindo de Paradela a 17 para norte, foi saqueando e destruindo as pequenas povoações que encontrou a caminho da fronteira. A fim de melhor se esclarecer sobre o seu flanco direito e prevenir alguma acção de Berestord a partir de Chaves a Boticas, ele próprio marchou com uma divisão de Dragões pela linha de alturas do Gerez divisória das águas do Cávado e do Rabagão. (ver croqui em baixo)
Também neste trajecto em terreno particularmente pobre em recursos as suas tropas tiveram que disputar à boca dos habitantes o alimento, por exíguo que fosse, para enganar a fome, sendo assim assaltadas e destruídas as povoações de Covelo do Gerez, Paradela, Loivos, Fiães do Rio, Vilaça, Coutim, Cambezes e Montalegre, cujos habitantes refugiados na serra, incessantemente perseguiram e atacaram os franceses.
Tal era o ódio contra o estrangeiro invasor que, anos depois, ainda alguns lavradores da região usavam nas suas camisas domingueiras botões feitos de osso de franceses, com a palavra LADRÃO gravada!
Chegado à deserta povoação de Montalegre na tarde de 17, Soult fez avançar Loison até ao desfiladeiro de Cortiços e enviou um destacamento de Dragões em reconhecimento pela estrada de Verim, enquanto que o grosso do 1 Corpo passava o Cávado na ponte da vila e ia bivacar na planície fronteira da margem direita.
Na retaguarda ficou a divisão Franceschi, reforçada com o 47. ° de Infantaria.
«Na noite de 17 para 18 avistámos sobre as alturas das montanhas as fogueiras do inimigo, mas vinha muito tarde para nos cortar a retirada»
Eram as forças de Silveira, bivacadas sobre as alturas que dominavam Montalegre, que só no dia seguinte entrarão na pequena vila fronteiriça.
Na manhã seguinte a 18 de Maio, seguiram o caminho, em marchas forçadas, os 15213 homens que Soult salvara da sua expedição a Portugal com 2000 cavalos (dos 4700 iniciais). Atingem Guinzo onde pernoitam e a 19 entram exaustos, famintos, rotos e descalços em Orense, onde se lhes juntam os 3500 homens que sob o comando do General Lamartiniére tinham permanecido em Tuy.
Era um exército de maltrapilhos, sem Artilharia, com a disciplina seriamente diminuída e o moral abatido:
«A chuva contínua a os caminhos detestáveis pelos rochedos tinham destruído o calçado da infantaria; após oito dias, a maior parte dos soldados não tinham vivido senão de milho assado. Por isso um grande número de ente eles tinham morrido não podendo resistir a todas estas privações.
Muitos ficaram pelo caminho com a certeza de serem assassinados, mas não podendo mais andar não escutavam qualquer súplica para que continuassem.
O moral da infantaria foi muito afectado durante esta retirada, porque esta arma sofreu muito mais do que nós (o Autor era Oficial de Dragões).
O Marechal determinou que cada regimento de cavalaria tomasse 50 infantes doentes, que se montavam nos cavalos e conduzíamos à mão.
Carregados com a sua mochila, a sua espingarda colocada horizontalmente sobre a frente do arção, algumas espigas de milho a tiracolo ao lado de um pequeno odre de pele de cabra vazio, ter-nos-iam em outras circunstâncias divertido bastante, mas os seus semblantes pálidos e desfeitos e os seus pés nus e ensanguentados não nos permitiam guardar senão um sentimento de piedade».
Era este o quadro simultaneamente pitoresco e dramático que era vivido pelas tropas do II Corpo, salvas da total destruição pela vontade férrea e capacidade de chefia do Marechal Soult.
Contudo Adolfo Tiers é bastante severo para com o Duque da Dalmácia; comentando esta sua retirada ele escreve:
«Apesar de tudo que posteriormente se disse, a Capitulação de Sintra após a batalha do Vimeiro travada valentemente ainda que perdida, custou menos à glória do exército e ao seu efectivo que a surpresa do Porto, destruição da nossa artilharia em Penafiel e esta marcha precipitada através desfiladeiros da província de Trás-os-Montes.
O estado moral das tropas correspondia ao seu estado material».
Beresford, que entrara em Chaves na madrugada de 17, lança na manhã de 18 as brigadas Tilson e Bacelar pela estrada de Chaves para Monterrey.
«Na esperança de que Soult depois de passar a serra do Gerez, pudesse tomar a estrada Monterrey — Orense.
Mas o Marechal não tomou este caminho: ele manteve, na vereda o marchou por Porquera e Allariz à esquerda da linha na qual Beresford orientou a sua perseguição».
Estas forças atingem Guizo a 19, quando Soult estava já em Orense.
Silveira, na perseguição do II Corpo para norte, segui-o pelo caminho que de Montalegre vai à povoação de Padroso e passando junto ao Cabeço de Lamas a mais de 1200 metros de altitude, atravessa a fronteira; avançou até S. Tiago dos Místicos onde recebeu ordem de Wellesley para regressar, tendo entrado em Montalegre a 19 para seguir dali para Chaves onde entrou a 20 de Maio de 1809.
Deixando atrás de si um rasto de destruição, sangue e morte, assim acabou a «bela expedição» a Portugal, como se lhe referia o próprio Napoleão nas instruções para a sua execução.
Tendo perdido 27% dos efectivos com que violou a fronteira para pisar a Terra Lusitana, Soult deixou mortos ou aprisionados cerca de 5700 homens, dos quais 2000 perdidos nesta terrível retirada entre Baltar e Montalegre.
Prisioneiro no interior da sua própria conquista, batido sem que se tivesse empenhado em qualquer grande e decisiva batalha, obrigado a destruir a sua artilharia e a largar o produto das suas rapinas, levado a uma retirada humilhante e precipitada através de caminhos ínvios para um exército, descalço e esfarrapado nos seus uniformes, faminto e atirado para um estado moral lastimável, eis a triste situação a que foi reduzido o II Corpo do Grande Exército!
Essa tropa de élite, que no planalto de Pratzen, enebriada pelo sol da glória, dobrou a força de dois Impérios e conquistou com os seus sabres e as suas baionetas ensanguentadas a mais fulgurante e estimável vitória para as águias napoleónicas, veio aqui ao norte de Portugal morder o amargo fruto da derrota, imposta não por grandes exércitos, mas sobretudo pela tenacidade sem limites, pelo sacrifício sem reservas e pela coragem sem vacilações da humilde gente rural, apoiada por alguns Militares e conduzida pelo General Silveira.
No período que sucedeu às lutas liberais, nem sempre se fez justiça a toda esta luta contra o Invasor, a todo este sacrifício em favor da Pátria.
A figura militar do Tenente-General Francisco da Silveira continua praticamente afastada das galerias das nossas unidades e as praças das nossas cidades foram bem mais pródigas em estátuas e placas de Generais mais políticos que militares, mas com menos projecção nacional que Silveira, sem dúvida o Militar mais notável do Exército Portugues durante as campanhas da Guerra Peninsular.
Não terminou com a 2 Invasão Francesa a actuação Militar do General Francisco da Silveira Pinto da Fonseca Teixeira:
— A 10 de Agosto de 1810, Silveira reconquista a vila leonesa de Puebla de Sanábria, ocupada em finais de Julho por tomas francesas que bateram o General espanhol Taboada; após 10 dias de cerco e de combates, em que se salienta o recontro do Outeiro (onde se distinguiu o Cap. De Cavalaria 12, Teixeira Lobo) o inimigo rendeu-se entregando nas mãos de Silveira 400 prisioneiros, material de guerra e uma insígnia imperial de um Batalhão Suíço.
— Desde o inicio de Setembro até meados de Novembro, bloqueia a praça de Almeida, recém-conquistada pelas forças de Ney, retirando prudentemente para Pinhel à aproximação da Divisão Gardanne que acorreu em socorro da praça e pretendia posteriormente juntar-se às forças de Massena.
— A 24 de Novembro na região de Valverde, ataca a Divisão Gardanne que obriga a retirar, deixando no terreno mais de 300 mortos.
Distinguem-se nesta acção plena de sucesso o Coronel das Milícias de Moncorvo António Manuel de Carvalho e os Majores de Cavalaria 12 Luís Paulino e Teixeira Lobo, ambos feridos no combate. O General Gardanne foi obrigado a suspender a sua marcha para se juntar a Massena detido nas Linhas de Torres Vedras, e a regressar a Espanha; Silveira actuou com os Regimentos 12.º de Cavalaria, 24.º de Infantaria e os de Milícias de Moncorvo e Bragança.
— A 31 de Dezembro Silveira é batido com as suas pequenas forças transmontanas, pelos 8000 homens da divisão Claparéde do 9.º Corpo, de Drouet, na Ponte do Abade, onde perde 200 homens; mas retirando para norte do Douro consegue opor-se com sucesso, durante todo o rude inverno de 1810-1811 às tentativa, de Claparéde para passar o Douro afim de recolher provisões no rico Entre-Douro-e-Minho para o faminto exército de Massena.
Travam-se então vários combates ao longo do Douro, nomeadamente no Pocinho, na barca da Régua e na Vila da Ponte, onde os franceses foram sempre repelidos.
— A 28 de Junho de 1811 é agraciado pelo Rei D. João VI com o título de Conde de Amarante, por Carta Régia dessa data e em face dos altos serviços prestados é promovido a Tenente-General em 5 de Fevereiro de 1812.
— Em 1813, durante a Campanha do Sul da França, Silveira assume o comando da divisão do General Hamilton, a qual tem uma acção importante no ataque a Tormes a 25 de Maio.
— A 21 de Junho, na batalha de Vitória (60 000 franceses contra 80000 aliados) a Divisão Silveira (única Divisão portuguesa na batalha), envolvendo a esquerda do inimigo caiu-lhe sobre a retaguarda pondo-o em fuga desordenada e capturando parte da sua Artilharia, bagagens e o célebre tesouro do Rei José Bonaparte.
— Toma parte nas batalhas dos Pirinéus de 28 e 30 de Julho de 1813, onde as suas tropas se destacaram, levando Beresford, sempre bastante reservado em relação a Silveira, a escrever na O. D. de 11 de Agosto: «O Sr. Marechal felicita S. Ex.ª o Tenente-General Conde de Amarante pela brilhante conduta da sua divisão...»
— O General Silveira foi condecorado pelo Governo Inglês com a Medalha de Ouro de Comando em Vitória, de que apenas foram cunhados três exemplares, cabendo um deles ao próprio Wellington, e pelo Rei de Espanha foi-lhe concedido o título de Grande de Espanha e a comenda da Grão Cruz da Ordem de São Fernando.
— D. João VI atribui-lhe a Grão-Cruz das Ordens de Cristo e da Torre e Espada e ainda o título de Grande de Portugal, que junta ao, anteriormente já concedido, de Conde de Amarante.
— Faleceu o Herói a 28 de Maio de 1821 na sua casa em Vila Real de Trás-os-Montes, com testamento de 25 do mesmo mês, de que foi escrivão o pároco da freguesia de S. Dionísio, P. José Botelho de Sousa, e registado a págs. 103 a 106 do Livro de Testamentos da mesma freguesia, actualmente na Conservatória do Registo Civil daquele distrito.
Os seus restos mortais descansam em sepultura própria, na Capela do Espírito Santo da povoação de Canelas do Douro.
Em memória e homenagem a este General e a todos os obscuros Heróis e Portugueses que, numa Pátria invadida, moribunda e arruinada, não desistiram e souberam lutar, foi dispendido o esforço deste trabalho.
Retirado do livro “As populações a norte do Douro e os Franceses em 1808 e 1809”, da autoria de Carlos de Azeredo, editado em 1984 pelo Museu Militar do Porto.
1 comentário:
Clac Clac Clac , muito bom mas e agora acabou a historia? Não há mais historias?
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