No sopé da montanha ergue-se sobranceiro o lugar de Vale. Local onde passei a infância e me traz a paz de espírito que se exige. Nesses instantes de retiro espiritual, como contemplativa errante, perco-me pelas tropelias incessantes de uma idade não pensante.
Foi por entre os verdes prados deste lugar enigmático que se tornou possível a passagem do ludus ao logos. Que iniciei a íngreme escalada para o futuro.
Da casa que me abraça desde sempre, posso contemplar todo um mundo novo a descobrir.
Perde-se o olhar no horizonte... estende-se a vista sobre Espindo e Zebral, do outro lado Ruivães.
Caminhei, este dias, pelos caminhos deste paraíso esquecido por muitos. Fui até ao Rio de Vale, uma descida acentuada que obriga aquando do percurso inverso a algumas paragens. Diante de mim o Poço Negro, local onde muitos banhos tomei e onde a limpidez das águas convida a abraçar.
O Poço de Bárbara, onde em criança me juntava com os meus eternos amigos. A ponte que possibilita a travessia da Levada para a outra margem é de uma beleza merecedora de intervenção. Há pedras caídas da ponte… Creio, na minha insignificante modéstia, ser de todo o interesse para a comunidade local e turistas, pedir-se a reparação da mesma.
No caminho de regresso, parecia abater-se sobre mim, uma veia crítica cada vez mais afincada. Daí que decidi ir até à Ameixeira. O estradão que se abriu ali com o intuito de servir melhor a população, foi esquecido, convido-vos a visitá-lo! As ervas crescem a olhos vistos, tornando difícil a passagem de automóveis pelo local.
A alma fica emagadoramente pequenina… Cada passo se torna mais e mais pesado, tantas são as portas que se têm fechado ao longo dos anos. Sinto-me cansada, perdida, triste… É pesada a dor de vir aqui, às vezes, as raízes que continuam enterradas nesta terra, na casa que aqui tenho, na beleza que vislumbro, tudo tem um ar cada vez mais carregado. Serás só tu Vale, um dia? Um local encantado que se perderá nas memórias daqueles que te amam?
Escuto Mário Sá Carneiro que diz:
“E só me resta hoje uma alegria:
É que, de tão iguais e tão vazios,
Os instantes me esvoam dia a dia
Cada vez mais velozes, mais esguios…”
É que, de tão iguais e tão vazios,
Os instantes me esvoam dia a dia
Cada vez mais velozes, mais esguios…”
Carla Silva
5 comentários:
Fantástico. Uma bela imagem seguida de um texto repleto de intensidade, de calor, paixão. Cada vez mais gosto deste blog e desta terra que para já desconheço! Parabens Carla Silva por este belo momento.
Ruivães é daquelas terras que aprendi a gostar ou antes, que me ensinaram amar…
O texto, sendo da autora que é e do profundo amor que nutre à terra em que deu os primeiros passos neste universo cada vez mais impessoal, só podia conter esta sem igual beleza apenas ofuscado pela beleza dos olhos da autora…
JABA
Brilhante! Adniro sua escrita. Parabéns!
quanto a mim, as portas vão fechando, as ervas crescem a olhos vistos, mas nunca é pesada a dor; temos que aceitar isso e continuar a dar valor ao que temos.
que a veia critica fique cada vez mais afincada pois parecem continuar fazer "obra" que ninguém sabe para que serve e que depois deixam ao abandono: caminhos, praias fluviais, etc., etc., do pouco que se tem feito!!!!
obrigado e ficamos à espera de mais
Boa tarde,
só hoje descobri este magnífico pedaço de terra português. Conheci Carla Silva no ano letivo 2016/17 em Samora Correia, Benavente, mas não tinha a noção que todas as semanas este belíssima colega deixava para trás tamanha beleza natural. A pequena Inês certamente preferia ficar a brincar na terra com os seus amigos e apanhar ar fresco e saudável da serra em vez de ir conviver com os meninos do extensíssimo concelho de Santarém. Deve ter sido muito difícil para as duas. Muitos parabéns pelo blog, parabéns à inspiradora escritora dos textos e fiquei com vontade de visitar-vos assim que tiver oportunidade.
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