Ontem,
como que impulsionado pela vontade em recordar, voltei à ponte de
pedra, da rês, ou velha….. e, partindo da ponte em direcção a
Ruivães, lá fui subindo lentamente a velhíssima calçada. Fiz o
primeiro troço até ao topo da primeira ladeira e parei junto à
cancela das terras do “Lagarto”. Dali contemplei, na direcção
descendente, o piso irregular da calçada, cujas pedras lisas, gastas
pelo uso e pelo tempo, me deram a sensação de ali terem ganho
raízes há muitos séculos para garantia perene, se circunstancia
inusitada a não quebrar (que poderá ser humana).
As
paredes e muros que a ladeiam, de pedras brutas encavalitadas umas
nas outras, emprestam-lhe um ar austero, quão austero seria o povo
que as construiu para circular, proteger e vedar.
Prossegui
um pouco mais, pelo troço mais horizontal, até ao fim do que resta
da calçada, sensivelmente abaixo da cancela das terras do
“Agostinho”. Ali parei e conclui que a garantia de perenidade da
calçada havia sido quebrada. Não pelos construtores, mas pelo
desleixo, ou o que quer que lhe chamemos, do homem que herdou
património de tão elevado valor histórico, estratégico, económico
e social…
Entrei
pelo caos da via, saltitando de pedra em pedra, à procura de poiso
firme e seco, na ânsia de evitar o desagrado da água nos pés e
prossegui até à cancela do “Porto do carro”. Dali contemplei
toda a destruição que sofreu aquela via, tanto pelo desabar de
terras laterais, como pela errância das águas que por ali se
acumulam e abrem caminho até desaguarem no rio Saltadouro.
Continuei
o percurso até à derivação do caminho para Vale e, como noutros
tempos, o caos no curso de água, os sinais evidentes de para ali
escoarem esgotos domésticos, etc. E dei por terminado o meu percurso
sobre a via romana. Mas foi neste ponto de derivação onde mais
tempo parei e, como idealista nostálgico, imaginei a conjugação do
rio com a paisagem, a ponte e o que resta da calçada romana, como
motivos de atracção turística, elementos de utilização
pedagógica e também motivos de orgulho. Sim, qual a terra que não
se orgulharia de ter sido servida/atravessada por uma via romana de
tal importância e da qual ainda restam tão belos testemunhos?
Para
tal, imaginei a ponte limpa, reparada, conservada e classificada; o
que resta do piso primitivo da calçada mantido com a sua
originalidade, sinalizado, com os regos limpos e conservados; a
parte do troço que se encontra destruída reparada com materiais a
condizer; a remoção do que resta de uma ramada; as laterais limpas
de silvas e árvores ameaçadoras de socalcos; o curso de água
conduzido em canal aberto e sinalética na Estrada Nacional a indicar
aquelas belezas. Por fim, a inclusão na lista de locais a visitar.
É um
manifesto e um sonho, mas um manifesto real e um sonho facilmente
realizável...
Fernando
Araújo da Silva
2 comentários:
Excelente texto, sabiamente elaborado por quem tem a sensibilidade para se aperceber do muito que, ingloriamente se tem destruído, por diversas causas mas, em primeiro lugar, pela incúria e o desleixo do homem.
Quando estupida e inutilmente nos preocupamos com a vida alheia e / ou desbaratamos as nossas energias e o nosso dinheiro em porcarias que são lixo... em simultâneo permitimos que o nosso património e a nossa riqueza colectiva sejam estupidamente destruídos.
É evidente que nestes casos, as autarquias têm muitas culpas no cartório, porque em vez de se preocuparem e gastarem as verbas com obras de fachada - em busca de votos futuros - abandonam o que os nossos antepassados nos legaram, num verdadeiro crime de lesa-património que é a todos os títulos condenável.
Ruivanense Adoptivo
Texto de uma beleza realista. Um manifesto que subscrevo. Uma vontade que também sinto. Mais do que embelezarmos e engalanarmos as localidades com "monumentos" que nada contarão da história destes locais, devemos conservar os já existentes e que tem sido votados à incúria...
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