domingo, 12 de janeiro de 2014

Subi a S. Cristóvam


Num destes dias direccionei a agulha para S.Cristóvam.
À medida que ia subindo o caminho até à Portela de Paredes, fui reparando na degradação que as pequenas parcelas de terreno adquiriram pelo abandono da agricultura; aquelas parcelas que deram pão e vinho, e sustentaram gerações. E o abandono, que trouxe vegetação densa e incontrolada, despertou o apetite naqueles que, sem alma, sem civismo, sem consciência ambiental e sem norte mental, reduziram a negro pelo fogo o verde e desnudaram a crosta, transformando a manta morte em cinzas que, arrastadas pela água das chuvas, empobrecem e desertificam.
Segui pelo caminho velho, entre as terras do “Escaleira” e terrenos meus. Aquele caminho plano, ladeado por muros antigos, de pedras em bruto e toda a paisagem envolvente, emprestam ao local beleza impar.
Depois de ter feito uma visita aos meus terrenos, lá subi ao Outeiro de S.Cristóvam. Trepei ao penedo maior e lá estão, escavadas na pedra,  as marcas deixadas pelos nossos antepassados. Dali se vislumbra paisagem de excelência, com domínio sobre as serras da Cabreira e Gerês, com horizonte visual que se estende até ao limite poente da freguesia Ruivães e observação plena sobre Fafião, Pincães e Cabril.
E ali me deixei extasiar por toda a envolvente e cogitei: que povo, que gente, que organização social, que modo de vida ali teria existido?. E que crenças ou Deuses os guiaram  ?...  Que importância social teriam os mortos sepultados nas sepulturas escavadas na rocha granítica? Que templos ali teriam existido?
Já no recato do lar, de pantufas calçadas, lembrei-me de uma interpretação produzida pela Unidade de Arqueologia da Universidade do Minho sobre o povoado de S.Cristóvam, em documento para proposta de classificação como Imóvel de Interesse Público (ou Sítio de Valor Regional), que a seguir transcrevo:
“Interpretação: Com base na ergologia dos materiais, interpretamos o primeiro conjunto de vestígios como ruínas de um povoado ocupado em época romana. Dominando a encosta que faz a passagem do vale do rio Cávado ao vale do rio Rabagão, o povoado de S. Cristovam revela uma estratégia de implantação claramente relacionada com a passagem da via romana XVII, que ligava Bracara Augusta a Aquae Flaviae. Pode até admitir-se, tendo presente o achado dos miliários da Portela de Rebordelos (ou Rebordendo) e de Botica, que o seu traçado servia directamente o povoado de S. Cristovam. Considerando o contexto arqueológico próximo, em que se destacam os povoados fortificados de Outeiro do Vale, Ruivães e de Linharelhos, Salto, pode considerar-se que o povoado romano de S. Cristovam seria um importante vicus, podendo inclusivamente colocar-se a hipótese de corresponder à mansio Salacia, uma das três que serviam a via XVII entre Braga e Chaves. O segundo grupo de vestígios interpretam-se como ruínas de um povoado medieval, o qual julgamos corresponder à sede de S. Martinho de Vilar de Vacas, freguesia referenciada nas Inquirições de 1258 e da qual terá evoluído a actual aldeia de S. Martinho de Ruivães. Da aldeia medieval de S. Martinho de Vilar de Vacas pode dizer-se que era sede de um território bastante povoado - no século XIII incluía as aldeias da actual freguesia de Campos, factor que terá contribuído para que mais tarde, já como Ruivães, tenha atingido o estatuto de concelho.”
E, no mesmo documento, aquele reputado organismo de investigação concluiu tratar-se “… de local de inegável valor histórico e cultural…”.
E então perguntei a mim mesmo: Porque razão não se valoriza, protege e preserva tal património? Porque não se utiliza como mais-valia para a afirmação de Ruivães nos roteiros do património a visitar? Porque não se utiliza aquele património para fazer parar visitantes em Ruivães? Porque não se sinaliza com placas orientadoras o acesso àquele local?
São perguntas…
Mas fazendo a leitura atenta da interpretação atrás transcrita, ali são referidos dois conjuntos de vestígios de ruínas, sendo um da época romana e outro de um povoado medieval. Presumo que o medieval seja também relacionado com os indícios da existência de uma igreja no local. E foi nesta presunção que me lembrei da cruz granítica existente no exterior da igreja de Ruivães, colocada à direita da porta principal.
Aquela cruz está assente numa base cúbica, cujas  faces laterais ostentam formas geométricas em losango  esculpidas, e a frontal quatro quadrados separados por uma cruz simples. No quadrado frontal inferior esquerdo estão esculpidas, embora de forma quase imperceptível, uns caracteres enigmáticos.  Embora não saiba precisar em que circunstâncias  memorizei tal informação, certo é que quando ainda criança, apreendi que aquela cruz fora transferida de S.Cristóvam para o local onde se encontra actualmente. Haverá de certo alguém entendido na matéria que saberá desmistificar a minha dúvida e também interpretar os sinais esculpidos na base da cruz. Contudo, não me parece que o estilo daquela cruz seja coincidente com o estilo arquitectónico da igreja.
Uma coisa é certa, Ruivães tem história e património, mas …
Mas já agora um outro reparo: Porque razão a base da aludida cruz se encontra parcialmente enterrada no cimento? Não seria sinal de bom gosto a respectiva elevação?  
E por aqui me fico por agora, na ânsia  do meu humilde contributo…

Braga, 11 de Janeiro de 2014

Fernando Araújo da Silva

2 comentários:

Anónimo disse...

Prefiro chamar a este "post" uma autêntica lição de civismo e de história.
A densidade dos séculos esconde por vezes factos que, somente muito mais tarde, se conseguem descobrir e devidamente esclarecer.
O sítio de São Cristóvão é lindo e sente-se ali o pulsar de outras civilizações, quase se ouve o falar de outras gentes e, se bem perscrutarmos, havemos de descobrir os seus antigos habitantes deambulando por aquele espaço.
Aliás, lá estão as sepulturas antropomórficas, a lembrar-nos aqueles que nos precederam no encadeado das gerações.
Quanto à Cruz a que o Dr. Fernando Araújo da Silva faz alusão - e que se encontra junto da Igreja Matriz - realmente não condiz muito com o estilo do templo, pelo que, certamente, foi para ali trasladada.
E pode muito bem suceder que tenha vindo de São Cristóvão.
Finalmente, e na verdade, será muito bom pensar em elevar a Cruz, desenterrando-a do cimento e dando-lhe, desta forma, uma nova dimensão e maior visibilidade.
Ruivanense adoptivo

Anónimo disse...

Prefiro chamar a este "post" uma autêntica lição de civismo e de história.
A densidade dos séculos esconde por vezes factos que, somente muito mais tarde, se conseguem descobrir e devidamente esclarecer.
O sítio de São Cristóvão é lindo e sente-se ali o pulsar de outras civilizações, quase se ouve o falar de outras gentes e, se bem perscrutarmos, havemos de descobrir os seus antigos habitantes deambulando por aquele espaço.
Aliás, lá estão as sepulturas antropomórficas, a lembrar-nos aqueles que nos precederam no encadeado das gerações.
Quanto à Cruz a que o Dr. Fernando Araújo da Silva faz alusão - e que se encontra junto da Igreja Matriz - realmente não condiz muito com o estilo do templo, pelo que, certamente, foi para ali trasladada.
E pode muito bem suceder que tenha vindo de São Cristóvão.
Finalmente, e na verdade, será muito bom pensar em elevar a Cruz, desenterrando-a do cimento e dando-lhe, desta forma, uma nova dimensão e maior visibilidade.
Ruivanense adoptivo