Num destes dias direccionei
a agulha para S.Cristóvam.
À medida que ia subindo
o caminho até à Portela de Paredes, fui reparando na degradação que as pequenas
parcelas de terreno adquiriram pelo abandono da agricultura; aquelas parcelas
que deram pão e vinho, e sustentaram gerações. E o abandono, que trouxe
vegetação densa e incontrolada, despertou o apetite naqueles que, sem alma, sem
civismo, sem consciência ambiental e sem norte mental, reduziram a negro pelo
fogo o verde e desnudaram a crosta, transformando a manta morte em cinzas que,
arrastadas pela água das chuvas, empobrecem e desertificam.
Segui pelo caminho velho,
entre as terras do “Escaleira” e terrenos meus. Aquele caminho plano, ladeado
por muros antigos, de pedras em bruto e toda a paisagem envolvente, emprestam
ao local beleza impar.
Depois de ter feito uma
visita aos meus terrenos, lá subi ao Outeiro de S.Cristóvam. Trepei ao penedo
maior e lá estão, escavadas na pedra, as
marcas deixadas pelos nossos antepassados. Dali se vislumbra paisagem de
excelência, com domínio sobre as serras da Cabreira e Gerês, com horizonte visual
que se estende até ao limite poente da freguesia Ruivães e observação plena
sobre Fafião, Pincães e Cabril.
E ali me deixei
extasiar por toda a envolvente e cogitei: que povo, que gente, que organização
social, que modo de vida ali teria existido?. E que crenças ou Deuses os
guiaram ?... Que importância social teriam os mortos
sepultados nas sepulturas escavadas na rocha granítica? Que templos ali teriam
existido?
Já no recato do lar, de
pantufas calçadas, lembrei-me de uma interpretação produzida pela Unidade de
Arqueologia da Universidade do Minho sobre o povoado de S.Cristóvam, em
documento para proposta de classificação como Imóvel de Interesse Público (ou
Sítio de Valor Regional), que a seguir transcrevo:
“Interpretação: Com base na ergologia dos materiais, interpretamos
o primeiro conjunto de vestígios como ruínas de um povoado ocupado em época
romana. Dominando a encosta que faz a passagem do vale do rio Cávado ao vale do
rio Rabagão, o povoado de S. Cristovam revela uma estratégia de implantação
claramente relacionada com a passagem da via romana XVII, que ligava Bracara
Augusta a Aquae Flaviae. Pode até admitir-se, tendo presente o achado dos
miliários da Portela de Rebordelos (ou Rebordendo) e de Botica, que o seu
traçado servia directamente o povoado de S. Cristovam. Considerando o contexto
arqueológico próximo, em que se destacam os povoados fortificados de Outeiro do
Vale, Ruivães e de Linharelhos, Salto, pode considerar-se que o povoado romano
de S. Cristovam seria um importante vicus, podendo inclusivamente colocar-se a
hipótese de corresponder à mansio Salacia, uma das três que serviam a via XVII
entre Braga e Chaves. O segundo grupo de vestígios interpretam-se como ruínas
de um povoado medieval, o qual julgamos corresponder à sede de S. Martinho de
Vilar de Vacas, freguesia referenciada nas Inquirições de 1258 e da qual terá
evoluído a actual aldeia de S. Martinho de Ruivães. Da aldeia medieval de S.
Martinho de Vilar de Vacas pode dizer-se que era sede de um território bastante
povoado - no século XIII incluía as aldeias da actual freguesia de Campos,
factor que terá contribuído para que mais tarde, já como Ruivães, tenha
atingido o estatuto de concelho.”
E, no mesmo documento,
aquele reputado organismo de investigação concluiu tratar-se “… de local de inegável valor histórico e
cultural…”.
E então perguntei a mim
mesmo: Porque razão não se valoriza, protege e preserva tal património? Porque
não se utiliza como mais-valia para a afirmação de Ruivães nos roteiros do património
a visitar? Porque não se utiliza aquele património para fazer parar visitantes
em Ruivães? Porque não se sinaliza com placas orientadoras o acesso àquele
local?
São perguntas…
Mas fazendo a leitura atenta da interpretação atrás
transcrita, ali são referidos dois conjuntos de vestígios de ruínas, sendo um
da época romana e outro de um povoado medieval. Presumo que o medieval seja
também relacionado com os indícios da existência de uma igreja no local. E foi
nesta presunção que me lembrei da cruz granítica existente no exterior da
igreja de Ruivães, colocada à direita da porta principal.
Aquela cruz está
assente numa base cúbica, cujas faces
laterais ostentam formas geométricas em losango
esculpidas, e a frontal quatro quadrados separados por uma cruz simples.
No quadrado frontal inferior esquerdo estão esculpidas, embora de forma quase
imperceptível, uns caracteres enigmáticos.
Embora não saiba precisar em que circunstâncias memorizei tal informação, certo é que quando
ainda criança, apreendi que aquela cruz fora transferida de S.Cristóvam para o
local onde se encontra actualmente. Haverá de certo alguém entendido na matéria
que saberá desmistificar a minha dúvida e também interpretar os sinais
esculpidos na base da cruz. Contudo, não me parece que o estilo daquela cruz seja
coincidente com o estilo arquitectónico da igreja.
Uma coisa é certa,
Ruivães tem história e património, mas …
Mas já agora um outro
reparo: Porque razão a base da aludida cruz se encontra parcialmente enterrada
no cimento? Não seria sinal de bom gosto a respectiva elevação?
E por aqui me fico por
agora, na ânsia do meu humilde
contributo…
Braga, 11 de Janeiro de
2014
Fernando Araújo da
Silva
2 comentários:
Prefiro chamar a este "post" uma autêntica lição de civismo e de história.
A densidade dos séculos esconde por vezes factos que, somente muito mais tarde, se conseguem descobrir e devidamente esclarecer.
O sítio de São Cristóvão é lindo e sente-se ali o pulsar de outras civilizações, quase se ouve o falar de outras gentes e, se bem perscrutarmos, havemos de descobrir os seus antigos habitantes deambulando por aquele espaço.
Aliás, lá estão as sepulturas antropomórficas, a lembrar-nos aqueles que nos precederam no encadeado das gerações.
Quanto à Cruz a que o Dr. Fernando Araújo da Silva faz alusão - e que se encontra junto da Igreja Matriz - realmente não condiz muito com o estilo do templo, pelo que, certamente, foi para ali trasladada.
E pode muito bem suceder que tenha vindo de São Cristóvão.
Finalmente, e na verdade, será muito bom pensar em elevar a Cruz, desenterrando-a do cimento e dando-lhe, desta forma, uma nova dimensão e maior visibilidade.
Ruivanense adoptivo
Prefiro chamar a este "post" uma autêntica lição de civismo e de história.
A densidade dos séculos esconde por vezes factos que, somente muito mais tarde, se conseguem descobrir e devidamente esclarecer.
O sítio de São Cristóvão é lindo e sente-se ali o pulsar de outras civilizações, quase se ouve o falar de outras gentes e, se bem perscrutarmos, havemos de descobrir os seus antigos habitantes deambulando por aquele espaço.
Aliás, lá estão as sepulturas antropomórficas, a lembrar-nos aqueles que nos precederam no encadeado das gerações.
Quanto à Cruz a que o Dr. Fernando Araújo da Silva faz alusão - e que se encontra junto da Igreja Matriz - realmente não condiz muito com o estilo do templo, pelo que, certamente, foi para ali trasladada.
E pode muito bem suceder que tenha vindo de São Cristóvão.
Finalmente, e na verdade, será muito bom pensar em elevar a Cruz, desenterrando-a do cimento e dando-lhe, desta forma, uma nova dimensão e maior visibilidade.
Ruivanense adoptivo
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