A utilização das águas
serranas para a irrigação dos campos e o fornecimento energético
nas azenhas desempenhou sempre um papel relevante na montanha
minhota. A cada comunidade pertenciam uma ou várias bacias de
recepção de ribeiras, que sustentavam um sistema comunitário de
rega, em pleno funcionamento durante o Verão. As águas das ribeiras
e numerosas fontes da serra eram divididas pelos vizinhos, conforme a
área de cultivo possuída por cada proprietário ou unidade de
exploração.
Este
sistema vigorava na Serra da Cabreira e ainda se mantém na maior
parte das freguesias serranas. Mas é sobretudo na freguesia de
Ruivães que a divisão das águas entre comunidades levantava
mais problemas, já que os baldios são repartidos entre várias
aldeias, situadas a altitudes diferentes.
Pode
observar-se nas figuras 31A e 31B que os campos cultivados em
Ruivães-Quintã, Vale e Botica, têm uma posição desfavorável
para usufruição das águas dos seus montes. A área baldia de
Ruivães, localizada a Noroeste do actual perímetro florestal até à
Serradela, possui apenas pequenas ribeiras com caudal insuficiente
para a irrigação estival. As águas eram também captadas na parte
oriental da freguesia, onde, no início do século XIX, havia uma
levada. Mas esta levada foi contestada por Campos, porque as águas
que a alimentavam vinham das ribeiras do seu logradouro. Durante o
reinado de D. Maria II, foi resolvida a questão das águas em
tribunal, e Ruivães passou a comemorar o acontecimento por uma festa
anual. Apesar de não ser muito remota, a comemoração mostra a
importância do sistema da divisão das águas. A tradição oral que
se segue foi-nos contada por vários inquiridos, mas não foi
possível averiguar com mais pormenores a data exacta dos
acontecimentos.
Os
lugares de Linharelhos e Lamalonga da freguesia de Campos
revindicaram para o seu próprio uso as águas dos regos que eram
captadas para a levada de Ruivães. Logo se repara nas figuras 31
que, para Ruivães, esta revindicação ameaçava a rega dos seus
campos. Além do mais, os vizinhos não tinham o direito de utilizar
as águas dos afluentes mais importantes da margem esquerda do Rio da
Lage, pertencentes a Espindo e Zebral. No tempo de D. Maria II, as
contendas entre vizinhos de Ruivães e de Campos foram para tribunal,
que deliberou a favor dos primeiros. A tradição diz que os povos de
Ruivães traziam sempre uma imagem de S. Bartolomeu escondida num
cesto, quando assistiam às sessões judiciárias. Logo a seguir ao
processo, o santo tornou-se padroeiro da levada, por Ruivães e os
outros lugares continuarem a gozar das águas da parte oriental da
serra.
A
Comissão da levada do Poço Longo - ou Comissão de S. Bartolomeu
-promove ainda todos os anos uma festa no dia 24 de Agosto, em que se
comemora este santo, "com sermão e missa cantada". Também
neste dia é "leiloada" a água, no intuito de se
arranjarem fundos para a conservação da levada. Outra função
essencial da Comissão consiste em marcar o "Dia do Pardinho",
durante o qual os compartes, "de sachola e de farnel", vão
até ao Rebolar e à Senhora dos Aflitos, situados na bacia de
recepção da Ribeira de Lamas que, a latitude da Chã de Coelhos,
passa a ser o Rio da Lage. Todos os regos são então canalizados
para a levada, já que estas águas lhes pertencem por ordem do
tribunal.
A
fixação deste dia não é rígida, mas depende das condições
climáticas do fim da Primavera. O costume diz que as águas são de
Ruivães, da S. João (24 de Junho) a S. Miguel (29 de Setembro). Nos
finais deste mês, as primeiras chuvas, aumentando o débito das
águas, destroem todas as canalizações artificiais feita no "Dia
do Pardinho", retomando as águas o seu curso natural e
voltando a serem utilizadas por Campos. Contudo, se o Verão estiver
muito seco, Campos e Ruivães encontram sempre medidas de
conciliação, tal como aconteceu em 1985 em que, depois de Agosto,
as águas foram para os lameiros de Lamalonga (Campos)
NICOLE DEVY-VARETA
A
FLORESTA NO ESPAÇO E NO TEMPO EM PORTUGAL: A
arborização da Serra da Cabreira (1919-1975)
Dissertação
de Doutoramento em Geografia Humana apresentada à Faculdade de
Letras da Universidade do Porto
PORTO
1993
6 comentários:
São estes documentos históricos que de algum modo também validam as tradições mais arreigadas das nossas gentes.
Sabia a razão de ser do "Pardinho", mas agora fico a conhecer melhor as suas origens.
Agradeço vivamente mais esta interessante partilha que o Senhor Administrador deste espaço teve a gentileza de fazer connosco.
Ruivanense Adoptivo
Agradecia a indicação da fonte bibliografica.
Cumprimentos
Ainda a respeito da água...
Um empenho tanto mais abrangente quanto as repercuções que teve para um todo e sempre,entre outras, refiro-me, como não podia deixar de ser à morfologia, uma região de sequeiro, passou a cultivar milho. Mas a amplitude não se restringe a este aspecto, é a um nível de constitutivos da matéria, ou mais concretamente na dieta alimentar de que passam a dispor e, mesmo a disponibilizar para outros, este recurso tão basilar que ainda é, mas que num período de carência, desempenhou "moeda de troca", por artigos que as gentes de Ruivães careciam. Isto reflecte a tenacidade de um povo que sabia atribuir relevância às coisas e se empenhava em as alcançar, porque afinal um povo depende sempre daqueles que estão sob o seu comando e, quando estes definem particularidades de relevo, todos ficam ganhar.
Bem ajam, todos quanto contribuíram para o engrandecimento que outrora este Burgo representou.
HMC
a fonte bibliográfica está referida no artigo.
Vila de Ruivães
Ainda a respeito do seguimento do contributo que muitos operaram em prole das gerações vindouras, recorrendo a uma citação do Apocalipse” Felizes aqueles que morrem na graça do senhor, porque a sua obra prossegue”. Sejamos, cada um, o Templo do senhor, tanto mais amplo como simples deve ser a missão que compete a cada um edificar ou abraçar. E, que contrasta com a dos que se movem por sentimentos mesquinhos e, que de tudo se socorrem para destituir senão mesmo aniquilar os que se empenham em manter acesa a luz que uns ainda tem o privilegio de olhar para o passado e, transpor, no essencial o que o presente e mesmo futuro tanto carece: conceder á Vida o que ela de facto carece de dignidade. Porque a criatura, mede-se pela obra que edifica. Bem ajam todos esses, para todo e sempre e, que Ruivães, muito se pode orgulhar de muitos homens com essa grandeza. HMC
Ainda a respeito do seguimento do contributo que muitos operaram em prole das gerações vindouras, recorrendo a uma citação do Apocalipse” Felizes aqueles que morrem na graça do senhor, porque a sua obra prossegue”. Sejamos, cada um, o Templo do senhor, tanto mais amplo como simples deve ser a missão que compete a cada um edificar ou abraçar. E, que contrasta com a dos que se movem por sentimentos mesquinhos e, que de tudo se socorrem para destituir senão mesmo aniquilar os que se empenham em manter acesa a luz que uns ainda tem o privilegio de olhar para o passado e, transpor, no essencial o que o presente e mesmo futuro tanto carece: conceder á Vida o que ela de facto carece de dignidade. Porque a criatura, mede-se pela obra que edifica. Bem ajam todos esses, para todo e sempre e, que Ruivães, muito se pode orgulhar de muitos homens com essa grandeza. HMC
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