É
verdade. É uma bota cortada que fez parte de um par que foi calçado
por gente; gente de trabalho, de luta, de persistência, de
sacrifício que calcorreou caminhos, vales e montes, buscando na
terra que amanhou, nos montes que desbravou, nos animais que
pastoreou o incerto da sua subsistência e dos seus.
Podia ser
uma bota trabalhada para uma qualquer exposição internacional da
autoria da artista plástica Joana Vasconcelos com patrocínios do
Secretaria do Estado da Cultura e à custa dos impostos que todos nós
pagamos, mas não, é uma bota de gente bem real: de um António,
Manuel, Maria, Clara, etc. e que esgotada por já não cumprir a sua
missão de protecção de calcantes, foi abandonada na berma do
caminho e ali ficou à mercê da natureza que fez dela uma obra de
arte como a claramente vista.
É
verdade. A borracha resistente ao tempo e à erosão expôs-se ao
musgo que lhe emprestou a imagem de um filme de encanto.
É uma
bota de borracha cortada, abandonado, que encontrei durante uma das
minhas deambulações pelos montes de Vale, e me convidou para,
através dela, homenagear os homens e mulheres que durante séculos
calcorrearam os caminhos agrestes, mal alimentados, mal agasalhados e
mal calçados em busca do pão, fazendo-me lembrar as botas de Judas,
no sítio onde ele as perdeu.
Era um
par de botas!...
Vale,
2014/11/30
Fernando
Araújo da Silva
3 comentários:
Este texto, ainda que escrito em prosa, é um verdadeiro poema e, se quisermos, será até uma Oração.
Quando contemplo os castelos, os grandes palácios e até as belas catedrais, lembro-me sempre daquelas multidões de anónimos que com sangue, suor e lágrimas muito trabalharam e pouco ganharam para realizarem tão gigantescas tarefas.
Esta Bota, já não é uma simples bota, na medida em que materializa o trabalho e o esforço daquele ou daquela que a usou e que, já gasta, a perdeu ou a abandonou à sua sorte, perdida algures no monte.
Mas "Deus escreve direito por linhas tortas" e agora, aquilo que outrora foi uma bota, transformou-se numa obra de arte que a própria natureza se encarregou de moldar a seu gosto e para nosso deleite.
Ruivanense Adoptivo
Uma verdadeira obra de arte da natureza, sem dúvida!
a Natureza tem destas coisas magníficas!
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