quinta-feira, 15 de março de 2018

«A poda da Casa do Brás - Espindo»





A aldeia de Espindo encontra-se situada no sopé da Serra da Cabreira, localidade muito sujeita a geadas que assim colocam em risco as rebentações temporãs, apenas permitindo a poda por volta de fevereiro ou março, tarefa sazonal de que hoje vos quero falar. 
Nem sei bem porquê, mas para mim, a recordação da poda remonta ao tempo do meu avô, em que ainda pequenito já o observava com muita atenção. 
Adorava andar com ele no campo e ouvir as suas sábias palavras e as suas estórias, neste caso sobre a poda. 
Os podadores já por lá andavam na vinha desde cedo, de tesoura em riste e foice pendurada no cinto por detrás das costas; iria ser precisa para cortar as velhas cepas.
Chegado ao campo e depois da salvação, traduzida num “bom dia” a todos, fazia a vistoria ao trabalho feito. Alguma vinha era velha e de tantas pipas de vinho já dali terem saído, andava cansada e por isso deixar varas em excesso era um abuso para a videira tão antiga, por isso as varas deviam ficar com menos olhos; se de antemão se sabia que no ano seguinte dariam menos cachos também se tinha a certeza que a vinha ficava salva. 
O meu avô tinha muita confiança nos “seus” podadores, que após o falecimento do meu pai, havia escolhido a dedo, pois aquela actividade manual era ao mesmo tempo cerebral e técnica e eles sabiam isso quando tinham de tomar decisões, já que cada cepa requeria uma abordagem diferente, mas que eles sempre sabiam como resolver. 
E assim ia ouvindo as conversas dos adultos sobre o dia-a-dia, quase sempre acerca do trabalho, uma ou outra notícia do povo e do tempo, mas também sobre as tarefas que faziam e que a brincar deixavam em ditos de sabedoria popular. 
Volta e meia lá paravam para matar a sede e fumar um cigarro, da onça comprada na venda do Amadeu do Soares ou da Joaquina do José Maria, mas logo retomavam o trabalho com a mesma confiança e entrega de sempre. 
Sentia-me num mundo de magia! E essa magia aumentou quando um dia, com 13 anos apenas, passei a ser eu próprio a dar conta deste recado! 
A busca de melhores condições de vida determinou a debandada das gentes deste interior norte para o estrangeiro ou para o litoral, mas o “bichinho” deste trabalho ficou em nós! 
Assim, ano após ano ele nos chama e quase todos - Manuel da Vessada, Alvarino, Américo Pereira, Aníbal Pereira, Amadeu Santos, Amadeu Pinto, Norberto Barroca, José Pinto (Joca), André Pinto, Manuel Pereira, Manuel Cera e Ricardo Martins, para além do Romeu Fernandes, Albino Costa, Jorge Rosa e eu próprio -, respondemos à chamada e marcarmos presença. 
Para que estas maneiras de trabalhar não fossem esquecidas, a AJA Espindo – Associação Juntos Pela Aldeia de Espindo incluiu a poda da Casa do Brás no âmbito do seu Plano de Atividades e este ano complementou-a com várias execuções de enxertia, até porque podar é também uma arte! 
Muita arte se ficou a dever também à Balbina, à Albina e à Palmira, que nos permitiram desfrutar de um excelente repasto.
Guilherme Gonçalves (Casa do Brás – Espindo)
2018-03-12

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