«Mário Moutinho e A. Sousa e Silva, pouco dirão aos ruivanenses, mas trata-se de dois historiadores que levaram anos a elaborar a mais completa biografia da nossa terra, romanceada ao estilo de Castelo Branco com acção em Ruivães entre as invasões francesas e as guerras civis.
Não eram de Ruivães (presumo que já tenham falecido, visto o seu trabalho ter sido elaborado em meados do século passado), eram sim especialistas na matéria, pois para se identificarem com a nossa vila aqui assentaram arraiais a convite de um tal senhor Manuel Lagarto de Vale, que lhes ofereceu estadia e não só. Também foi base de elucidação da muita recolha que fizeram, ao ponto de lhe haverem dedicado a obra, em cuja dedicatória dele afirmam ter sido ele um «homem probo, bondoso, e autêntico repositório da história local, que muito nos ajudou com as suas “achegas”» Intitulado “O Mutilado de Ruivães”, veio a lume em 1980, edição da Livraria Cruz de Braga, não sem que antes jazessem muitos anos numa gaveta. E assim os autores nos deixaram uma obra que é um juízo de valor didáctico-pedagógico, e da maior importância cultural e sentimental, que todos os ruivanenses deviam ler. Para fazerem ideia de como eles viram a situação do país nessa data já longínqua, atentem a seta descrição, que a mim me impressionou;
« A história das pequenas terras vai ficando esquecida diante de certos fenómenos sócio-económicos, derivados do urbanismo avassalador, apagaram-se da lembrança dos homens os feitos dos seus antepassados; olvidam-se os factos de outrora; morra gesta da tradição, a prática das virtudes ancestrais, a nobreza dos bons costumes regidos na autoridade de princípios morais ainda hoje indiscutíveis que foram as pedras com que se construiu a Nação, a fizeram grande e a levaram a expandir-se pelo Mundo.
Morreu no coração dos homens a poesia que envolve as coisas belas que o Passado nos legou; secaram-se as fontes que nasciam da alma e corriam límpidas para o mar da fantasia e do sonho, mas que ajudavam a viver. Hoje, tudo se banalizou, tudo está uniformizado, plastificado, amorfizado que uma sociedade de consumo irrelevante e pletórica de bem-estar vai fazendo cair na clareza dos sentimentos e das atitudes, na tibieza dos caracteres e na cobardia colectiva, onde um materialismo intolerável e desenfreado, que necessariamente a função do chamado «progresso social», despaísa, amolece e corrompe o espirito e a consciência nacionais, que nestes últimos anos sofreram uma deterioradora aceleração, graças ao consumo de droga, da pornografia e do sexualismo.
Por isso julgam meritório todos os trabalhadores desta natureza, porque a história não é atributo das chancelarias, dos salões ou das grandes cidades, nem tampouco a animam apenas os grandes próceres da Política; ela é também feita pelo Povo e escrita com o seu sangue; e o palco são as suas aldeias e os seus campos, e ele a maior vítima dos erros, das lacunas - e dos crimes – dos grandes senhores da Terra.
Moldado ao jeito clássico, como não podia deixar de ser, o romance não tem pretenções nem aspira fazer carreira ou escola; visa somente estimular nos mais novos o gosto pela historia das sua terras, tão esquecidas andam agora elas; e este nosso esforço é apenas um modesto contributo naquele sentido e, se quiserem, um exemplo para que outros façam melhor.
É este o desideratum, e, se o alcançarem, os autores sentir-se-ão satisfeitos».
A nossa terra, é rico filão de história, folclore, etc. Que tesouros ocultos nas ruínas, nas suas ruínas, nas suas pedras musgosas, nos castros, nas igrejas, no linguajar das suas populações, nos arquivos e no próprio sub-solo? Só esperam que novos cabouqueiros os venham desentranhar, ou outros obreiros apareçam a ceifar na messe que é rica e vasta. É claro que o livro contém também e essencialmente dados identificativos de Ruivães enquanto cabeça de concelho da Casa de Bragança, até 1834, com o nome de “Villar de Vacas”.
Saudações ruivanenses.»
Manuel Joaquim F. de Barros
Retirado d' O Jornal de Vieira nº 1173 de 15 de Abril de 2023