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quarta-feira, 23 de agosto de 2017

"Estou mais apreensivo com quem nunca leu o livro e vai chegar às personagens através do filme"



Entrevista a David Machado

O escritor David Machado nasce um pouco por acaso, mas ao fim de alguns anos os seus romances chegam a milhares de leitores portugueses e, por estes dias, até ao cinema com a adaptação do romance Índice Médio de Felicidade. Quando resume como tudo aconteceu até parece simples: "Estava sem nada para fazer, era verão e ia à praia, mas, passadas duas ou três semanas, já não tinha mais nada para fazer. Como andava a escrever qualquer coisa, resolvi investir mais tempo num romance." Resultado: "Estive três meses fechado em casa e escrevia oito a dez horas por dia." Confessa que escrevia "de uma forma muito amadora e despretensiosa" e que quando decidiu escrever aquele romance "foi sem intenção de publicar". Qual era a intenção? "Queria escrever um romance." O que fez? "Nessa altura acabaram por se meter outras escritas pelo meio, fui fazendo uns contos e comecei a enviar coisas para o antigo DN Jovem." Como lhe começaram a publicar alguns desses textos, passados esses três meses já não fazia sentido nenhum para David Machado voltar a concorrer a um emprego em função seu curso: Economia. Tinha entrado na vida profissional, mas foi ocupação de pouca duração pois acabou no desemprego. Uma coisa é certa, os seus livros estão publicados em mais de uma dezena de línguas.

Perder o emprego acabou por ser uma situação favorável?

Sim, no meu caso foi mesmo um empurrão que me deram, até porque não sei se alguma vez teria tido coragem de dar esse passo.

É da opinião de que é fundamental escrever a tempo inteiro?

No meu caso sim. Não sei se isso funciona para toda a gente, mas no meu caso sei que preciso de muito tempo para pensar, e já no princípio tinha consciência disso, de que as viagens de carro ou de metro entre o emprego e casa e de casa para o emprego não me chegavam. Nem apenas sentar-me à noite ou aos fins de semana a escrever, porque faltava-me o tempo para pensar. No entanto, hoje é possível que já me cheguem poucas horas porque tenho outro traquejo e as coisas mais sistematizadas na cabeça. Naquela altura, não sabia como é que se escrevia um romance!

Hoje não há muitas viagens de metro ou de autocarro, no entanto não faltam as de promoção e divulgação dos livros. Gosta dessa parte da vida do escritor?

É verdade que existem essas viagens, mas mesmo assim considero que não estou tão ocupado como se tivesse um emprego, como aconteceu em determinada altura - trabalhava no Instituto Nacional de Estatística -, agora o que me ocupa muito são as visitas a escolas e bibliotecas em Portugal e festivais e encontros de literatura lá fora.

E isso não o distrai nem cansa?

Para já não me cansa, também porque a verdade é que para mim é uma coisa muito recente. Até ao Índice Médio de Felicidade, ou seja, até ao meu romance anterior, não tinha assim tantas solicitações. Umas duas ou três viagens por ano, portanto, isto ainda é um pouco novidade e para já não me cansa.

Não o incomoda estar longe dos livros?

Não, porque na verdade é que quando vou para festivais literários estou muito mais perto dos livros do que em casa ou na minha vida quotidiana. É uma vida familiar.

Nem longe do livro que está a escrever?

Tenho conseguido partir o tempo ao longo do ano para ter períodos só de escrita e outros em que viajo mais, de promoção por exemplo. Isso coincidiu com este último livro, o Debaixo da Pele, em que tenho três partes. Ou seja, foi mais ou menos isso que se passou, escrito em três períodos longos fora de viagem.

Então, a estrutura do livro deve-se à sua própria vida?

Não sei deve exatamente, mas acabou por se adaptar bastante bem. Quando estava a escrever a última parte do romance ainda me ausentei umas vezes, fui ao Brasil e a Moçambique, mas foram situações pontuais que não estragaram a dinâmica. Mas há outra coisa: desde que comecei a escrever sempre prezei muito as pausas no trabalho, estar uma semana ou um mês sem pegar no livro, posso até estar a escrever outra coisa qualquer, essa pausa só cria uma distância em relação ao que escrevo. E quando regresso ao trabalho, olho para o que escrevi com uma frieza tão grande que às vezes até me prejudica porque torno-me demasiado crítico de mim próprio, o que também é bom.

Essa falta de distanciamento acaba por prejudicar muitos livros pois sente-se que não dormiu na gaveta muito tempo. Concorda?

Não sei bem, porque terminei este livro muito próximo da data de publicação. Mas concordo que quanto mais distância criarmos em relação ao que escrevemos melhor faremos o trabalho da edição e das revisões. Que é, talvez, a parte mais importante de escrever um livro. É na revisão que cortamos tudo o que não faz falta, pois escrevemos sempre demais.

Mas concorda que a maior parte dos livros que estão a ser publicados não dormiram o suficiente?

Não tenho essa estatística feita. Não sei, acho que há de tudo. Hoje, quando os livros são maus deve-se a várias razões. Considero que em faz falta em Portugal editores preocupados com o trabalho de edição, isso poderia evitar esse tipo de situações em que os livros deviam ser mais maturados. A ideia que os autores têm é a de que o editor existe só para pressionar e dizer "venha lá, venha mais um livro". É sempre importante haver alguém que vá orientando.

Nunca fica irritado com as sugestões?

Não. Nunca, nunca. Enfim, eu confio bastante na opinião da minha editora e quando me expõe alguma coisa ou algum problema que seja mais complexo argumenta o suficiente para eu perceber. Muitas vezes até fico chateado comigo por ter falhado ou ter feito algum erro, pois agora vou ter de solucionar e arranjar outra maneira de o fazer.

Daqui a dez livros ainda será assim?

Acho que sim. Cada vez mais sinto que isso é importante. Não posso garantir, mas para mim é mesmo cada vez mais importante esse trabalho do editor ou o livro seria um objeto pior.

Foi por isso que foi mudando de editora?

Publiquei um romance, contos e alguns livros infantis na Presença, depois mudei para a D. Quixote no romance e os infantis foram para a Alfaguara, precisamente porque não havia esse trabalho com o editor.

Este livro demorou três anos a ser escrito. Não é muito tempo?

Foram mais ou menos três anos, mas também fiz muita coisa entretanto porque o sucesso do Índice Médio de Felicidade obrigou-me a fazer muita promoção e também a escrever o guião do filme sobre esse livro .

O Índice Médio de Felicidade tornou-se quase o início da carreira?

Visto de fora pode parecer, mas para mim não. Publico livros há onze anos e o meu início da carreira é outro. Até entendo perfeitamente que se veja desse modo devido às traduções e aos prémios, mas esse nem foi um livro que me marcasse. Marcou-me na medida em que um romance marca, pois é um trabalho longo, mas não tanto como Deixem Falar as Pedras, porque é um livro que está demasiado próximo de mim. Eu sou muito parecido com a personagem Daniel, daí que só tenha demorado nove meses a escrevê-lo. Foi menos refletivo.

É autobiográfico?

Não é de todo autobiográfico, é mais a questão da temática estar mais próxima de mim. Saiu-me de uma forma muito mais natural e deixou menos marcas. No entanto, para mim está muito longe de ser o início de uma carreira, foi só mais um livro que escrevi.

O livro que mudou tudo?

Mudou muita coisa, muita. O romance teve muita promoção em Portugal, como nunca tinha tido com livros anteriores, à exceção os infantis. Sobretudo após o prémio da União Europeia é que mudou tudo, mesmo que o Tino Navarro já tivesse vindo ter comigo para comprar os direitos de adaptação para cinema.

Os leitores vão gostar mais do livro ou do filme?

O filme está muito próximo do livro, claro que no cinema, normalmente, temos de cortar algumas cenas porque não é possível pôr tudo o que há na narrativa. Mas diria que está muito aproximado do original e acredito que os leitores irão gostar do que foi feito. Por outro lado, se estiverem muito agarrados ao livro podem desgostar e ao repararem na sua semelhança optarem pelo romance. Não sei dizer o que irá acontecer, esperemos pelo filme no cinema e então ouviremos as opiniões. Estou mais apreensivo com aquelas pessoas que nunca leram o livro e que agora vão poder chegar a estas personagens através do filme. Essas preocupam-me mais.

A história aponta muito para um leitor no início da vida adulta. É o seu leitor?

Não sei quem é o meu leitor. Tenho escrito muito sobre personagens adolescentes, mas não é necessariamente igual escrever sobre a adolescência e que os leitores sejam adolescentes. Fico feliz quando vou a escolas e percebo que os miúdos com 16 e 17 anos se identificam com as personagens que tenho e que se interessam pelos livros. Quanto à pergunta, não acho de todo que os meus livros sejam especificamente para adolescentes.

Temos uma personagem com 19 anos. Não é difícil construir alguém assim?

É muito difícil e esse foi talvez o capítulo mais complicado de escrever. Só estava preocupado com essa personagem feminina e como entrar na cabeça dela, descrevendo minuto a minuto o que lhe acontece. Vemos todos os pensamentos e gestos, as indecisões e decisões, por isso cada frase dessa parte do livro, que tem cem páginas, foi uma batalha. Em cada frase sou obrigado a refletir muito sobre o que realmente uma rapariga de 19 anos passou, como iria sentir-se ou decidir.

É preciso uma grande investigação?

A única investigação que fiz foi em relação aos temas do trauma. Li alguns livros de psicologia sobre o tema e em relação à adolescência. Creio que é necessário estar atento e não pensar assim tanto no que se faz e, inconscientemente, pensar nas boas recordações da minha adolescência. Não só no sentido de ter sido uma adolescência boa mas com recordações que continuam vívidas. Ajuda que nesse tempo estivesse atento aos meus amigos e à minha geração, ficando com tudo mais ou menos bem esquematizado na cabeça.

É diferente dos jovens atualmente?

Creio que a essência da adolescência será sempre a mesma. O que se passa é que o mundo à volta deles é diferente do que no século XIX, até mesmo há vinte anos, e tudo se apresenta de outra maneira. No entanto, acho que as angústias e as loucuras de um adolescente partem do mesmo ponto que existia quando eu era adolescente.

Logo na segunda página tem a palavra "suicídio entre os jovens". Não é uma questão demasiado traumática?

Não, até porque depois o livro segue noutro sentido.

Há uma outra vez, quando ela está à janela, que também é dramático...

E ela pondera, que seria tão fácil saltar, não é? Enfim, acho que não há nenhum tema que não possa ser abordado num livro. Aliás, se a literatura tem vários propósitos, diria que um deles é precisamente refletir sobre aquilo que não é feito em mais lado nenhum - nos jornais, nas conversas de café ou nos momentos mais íntimos de um casal -, e aí a literatura ultrapassa tudo. Deve abordar esses extremos, deve saltar essas fronteiras e, por isso, este livro não é sobre suicídio. À Júlia passa-lhe pela cabeça a situação, porque acho que é uma coisa que passa pela cabeça de toda a gente em algum momento.

Quando um escritor tem um sucesso é pressionado a continuar no mesmo estilo. Sentiu-se obrigado a fazê-lo?

Não, o Debaixo da Pele é muito diferente do Índice Médio de Felicidade. E foi propositado porque os meus romances são sempre bastante diferentes. O primeiro, então, é completamente diferente dos que se seguem porque é uma coisa mais voltada para o realismo mágico, mas mesmo nos outros três - que são mais realistas e contemporâneos - tento sempre fazer algo diverso pois não gosto de me repetir nem de sentir semelhanças. Prefiro muito mais experimentar a todos os níveis, sejas nas temáticas, nas vozes ou na estrutura narrativa.

Os leitores não pedem mais do mesmo?

Não faço ideia do que os leitores pedem nem me interessa. Escrevo antes de mais para mim, porque quero trabalhar este ou outro tema, esta ou outra narrativa, Ou porque leio outros autores e apetece-me fazer alguma coisa semelhante ou ir por aquele caminho. Agora que o livro está publicado, interessa-me que as pessoas o leiam e já quero muito saber a opinião dos leitores. Não enquanto estou a escrevê-lo, aí é só para mim.

Ainda assim existe um tipo de leitor em que aposta mais?

Não, de todo. Para mim o mais importante de tudo enquanto escrevo é a história, mais até do que a própria linguagem. Sei que em Portugal há muito esta quase batalha entre a linguagem e a narrativa, mas eu adoro trabalhar a linguagem mesmo que tenha uma estima pelo exercício narrativo. Gosto muito de refletir sobre isso e de pensar como é que se conta uma história, e de saber que uma história pode ser contada de infinitas maneiras e qual é aquela que interessa mais contar. Cada uma dessas histórias é a narrativa de facto, por isso quando estou a escrever o mais importante é perceber se a narrativa está a acontecer no ritmo certo, se estou a explorar todos os caminhos que a história, as personagens e o tema me colocam. Enfim, gosto de pensar nesta coisa de através de uma história eu poder mostrar o mundo.

Então é a favor de o escritor ter um posicionamento perante as grandes questões da sociedade?

Não necessariamente. Quando digo que o mundo pode ser só uma história passada na natureza ou pode ser uma história muito pessoal, tão pessoal que não tem nada a ver com a sociedade, aquilo que eu gosto cada vez mais é sobre o que está à minha volta. Quando comecei a escrever tinha algum medo de escrever sobre aquilo que estivesse muito próximo. Por exemplo, meu primeiro romance é todo passado no Alto Minho, numa aldeia fictícia, precisamente porque sempre passei férias na região, os meus avós são de lá, o meu pai também, mas não quis centrar-me em nenhuma aldeia precisa para poder fazer o que me apetecesse. Não queria estar demasiado constrangido pela realidade, talvez por isso a opção do realismo mágico. Hoje não, cada vez mais interessa-me falar sobre o que está aqui mesmo à minha frente.

Que é o caso deste livro, por onde passa muita da violência doméstica que se observa na sociedade portuguesa?

Até a violência no namoro.

São temas importantes e a tratar atualmente?

Eu não escrevi o livro sobre esses assuntos porque achasse importante falar sobre isso, queria escrever uma história sobre duas personagens femininas. No início havia a ideia de uma rapariga que rapta uma criança para a salvar, porque acha que a vai salvar desta forma. Não sei de onde é que esta ideia veio, é daquelas coisas que aparecem, mas interessou-me muito a ironia de ela estar a raptar para salvar - que não faz sentido. Então, interessava-me perceber isso, se faz sentido ou não e fui construindo a história a partir daí.

Existem outros temas também?

Sim, o tema da memória aparece, até porque é uma constante nos meus livros. Portanto, esta coisa do trauma e de porque é que ela faz isto e porque é que ela rapta a criança, porque é que ela vem, o que é que lhe aconteceu, o que é que vem de trás para que esta situação aconteça. Enfim, a história foi sendo construída a partir daí. E depois, se calhar, porque eu estou muito mais atento hoje do que há dez anos àquilo que está mesmo à minha frente, porque a violência no namoro infelizmente está aqui mesmo à nossa frente, eu acho que de uma forma muito natural essas temáticas se foram metendo na história, mas não foi nada muito programado.

Quando faz nascer o livro ele vem logo com um plano esquematizado?

Normalmente tenho algumas ideias e vou pensando muito sobre elas, posso até tomar notas, mas poucas. Quando digo muito é mesmo assim, às vezes estou um ano noutras coisas e ando com aquilo na cabeça até que começo as primeiras páginas. As primeiras vinte levam tanto tempo como o resto do livro. No caso deste, foi muito mais difícil porque era como fazer três livros, pois são muito diferentes entre si nos tons e nas personagens. Quanto a esquematizar, só coloco umas bandeiras para me orientar, e não quer dizer que as cumpra todas.

Quando está a escrever um livro nunca vem outro baralhar a concentração?

Às vezes vem, mas tento não lhe ligar, sobretudo nos momentos em que o trabalho não está a correr tão bem e é difícil transpor para a história o que temos na cabeça e apetece ir fazer outra coisa.

Qual é o remédio para essa crise?

É só trabalhar, essa coisa de ficar à espera da inspiração é um erro tremendo que muita gente faz quando começa a tentar escrever um romance. Parar ao primeiro obstáculo à espera de que algo mágico suceda não vai acontecer.

Em cada livro o escritor continua igual ou muda?

Muda de certeza. No Índice Médio de Felicidade, que é o livro que está mais próximo de mim, talvez não me tenha alterado muito porque sou um pouco aquilo, mas no Deixem Falar as Pedras estava muito longe de mim. Eram temas em que não penso assim tanto no meu dia-a-dia, pois são personagens femininas em situações pelas quais nunca passei. Mas agora estou muito mais atento e vejo as coisas de outra maneira. Por exemplo, com os incêndios, perguntei-me frequentemente como é que estas pessoas irão viver. Porque o mal que nos acontece ou o que nos fazem fica metido no corpo, debaixo da pele, como é o título deste romance. Essa é uma questão que agora existe e antes não acontecia. Portanto, muda sim, obviamente.

Mais uma vez a questão da memória?

Sim, mas neste livro é uma memória quase inconsciente e que a própria memória das pessoas não guarda, é a que está no corpo. São os pesadelos que vinte anos depois ainda aparecem do nada, pequenos medos que surgem a qualquer momento porque ouvimos um barulho que associamos a algo que nem sequer recordamos mas que o corpo guarda. É uma outra forma de memória.

Até quando vai resistir o seu prazo de validade para ser o menino querido da crítica?

Eu sou o menino querido da crítica?

É o que parece atualmente.

Não sei, nunca tinha pensado que era o menino querido da crítica. Acho que as pessoas gostam dos meus livros, também vejo que nem sempre tenho críticas espetaculares. Ou seja, não tenho críticas más, mas nunca tinha pensado que era o menino querido da crítica.

Tem tido uma boa receção...

Sim, nos dois últimos livros tenho tido boa imprensa. Sou ingénuo, mas tendo a pensar que enquanto escrever bons livros, ou livros que toquem as pessoas e as façam refletir, isso vai acontecer. Só depende de mim, mas creio que serei o menino querido da crítica - embora não me reveja nesse termo - até escrever um mau livro.

Quanto ao filme, já há data de estreia?

Sim, no próximo dia 31. Eu sou coautor com o Tiago Santos, que tem escrito os filmes do António-Pedro Vasconcelos.

Foi difícil adaptar o livro?

Nada difícil. O Tino Navarro falou comigo para ser eu a adaptar, ainda o tentei fazer, mas percebi logo que não tinha as ferramentas. O Tiago conhece bem a estrutura de um guião e a forma mais eficaz de apresentar as cenas.

Vamos à pergunta tradicional: que escritores o influenciaram?

Foram muitos e, ainda bem, vão mudando sempre.

Porque já não servem?

Não, porque procuro outras coisas e, como vou mudando, preciso de renovar as leituras ao descobrir novos escritores com os quais tenho mais afinidade ou que percebo que fizeram algo.

Estrangeiros, por norma?

Quando comecei a escrever estava muito voltado para os sul-americanos: García Márquez, Vargas Llosa, Mario Benedetti ou Borges. Em Portugal, o Saramago era uma referência por causa dos livros que estão muito próximos do realismo mágico. Depois, pouco a pouco, fui-me voltando para escritores mais realistas e contemporâneos, daí que goste muito de ler escritores da minha geração: norte-americanos e anglo-saxónicos, que estão a fazer coisas que me interessam muito ao nível da estrutura narrativa. É o caso de Zadie Smith, Dave Eggers e Jonathan Safran Foer.

E portugueses, além do Saramago?

Gosto dos clássicos: Camilo e Eça. Li bastante Saramago, que foi o escritor que mais me influenciou. Mas estou muito atento aos novos escritores.

De zero a dez, quanto é que vale esta nova geração de escritores?

Não quero dar uma classificação, mas acho que é uma geração da qual gosto imenso, porque estão a fazer coisas muito diferentes. Às vezes custa-me falar de uma nova geração, pois refere-se mais à questão da idade, porque de resto acho que não há nenhum um movimento literário a acontecer. É saudável num país tão pequeno haver escritores a fazer coisas tão diferentes e cada um à sua maneira e com sucesso.

 
http://www.dn.pt/artes/interior/estou-mais-apreensivo-com-quem-nunca-leu-o-livro-e-vai-chegar-as-personagens-atraves-do-filme-8721766.html

quarta-feira, 21 de junho de 2017

terça-feira, 17 de novembro de 2015

David Machado: «Convite para o lançamento do meu novo livro para crianças»


«Caros,
 
passados seis anos, eu e o Paulo Galindro (ilustrador de O TUBARÃO  NA BANHEIRA) temos novo livro para crianças. Chama-se UMA NOITE CAIU UMA ESTRELA e já está nas livrarias.
 
O lançamento é no próximo sábado, dia 21 de Novembro, às 15h30, na Ler Devagar da Lx Factory, em Lisboa. A apresentação do livro será feita pelo José Barata Moura.
 
Quero muito que venham celebrar connosco.
 
Abraços,
David»




terça-feira, 14 de abril de 2015

David Machado vence prémio de literatura da União Europeia

A Comissão Europeia anunciou esta terça-feira os 12 vencedores do Prémio de Literatura da União Europeia de 2015. David Machado é o vencedor do prémio em Portugal.

O escritor de contos para crianças David Machado é um dos 11 vencedores, em 2015, do Prémio da União Europeia (UE) para a Literatura. O anúncio foi feito esta terça-feira, 14 de Abril, na feira do livro de Londres.

David Machado é autor de livros como "Índice Médio de Felicidade", "Deixem Falar as Pedras", "O Fabuloso Teatro Gigante" e ainda "A Noite dos Animais Inventados", título que em 2005 recebeu o prémio Branquinho da Fonseca da Fundação Calouste Gulbenkian.

David Machado, assim como os outros vencedores, irá receber um prémio de 5 mil euros, sendo que a data de entrega dos prémios está agendada para 23 de Junho numa cerimónia a realizar em Bruxelas. Este prémio foi criado para consagrar os "novos ou emergentes autores da Europa", explica a CE.

Este autor português será o terceiro escritor luso a vencer este prémio, depois de Afonso Cruz e Dulce Maria Cardoso.

Em 2013, já depois de ter abordado o tema da felicidade no livro "Índice Médio de Felicidade", David Machado concedeu uma entrevista ao Negócios na qual dizia que, no seu entender, "as pessoas, em geral, não levam a questão da felicidade muito a sério". "Toda a gente diz que quer ser feliz, mas não pensa seriamente sobre isso", explicou.

Além de David Machado, há mais 11 vencedores: Carolina Schutti (Austria); Luka Bekavac (Croatia); Gaëlle Josse (France); Edina Szvoren (Hungary);Donal Ryan (Ireland); Lorenzo Amurri (Italy); Undine Radzeviciute (Lithuania); Ida Hegazi Høyer (Norway);Magdalena Parys (Poland); Svetlana ?uchová (Slovakia) and Sara Stridsberg(Sweden).
Data:2015/04/14

Noticia retirada do Jornal de Negócios

quarta-feira, 14 de abril de 2010

O Dinheiro ou Amor


Cheguei à Holanda numa quinta-feira de chuvas em Novembro e de imediato na segunda-feira começei a trabalhar numa fábrica taiwanesa. Ali passei os seis meses seguintes, oito horas por dia, a montar e a encaixotar computadores, lado a lado com cerca de trezentos homens e mulheres cujas múltiplas origens se encontravam em todos os países do mundo menos na Holanda, porque aquele era o único lugar na cidade onde não era exigido falar holandês. Por outro lado, desde o primeiro dia me apercebi da necessidade tácita de falar francês, inglês ou espanhol de forma a poder comunicar com quem quer que fosse ali dentro; o árabe para cair nas boas graças dos chefes de linha que eram, na sua maioria, turcos e marroquinos; mandarin, coreano e vietenamita se quisesse compreender os grandes silêncios dos asiáticos enquanto trabalhavam; o papiamento para rir ao mesmo tempo que os antilhanos; e a infinidade de dialectos dos africanos como meio de conseguir aproximar-me um pouco mais dos seus olhares melancólicos.

As razões da minha presença naquele lugar babélico eram nada mais que românticas. Poucos meses antes tinha escrito o meu primeiro romance – que permanece até hoje esquecido num ficheiro de um computador que já nem sequer uso – e percebi que para escrever o segundo precisava de me afastar do meu mundo e avançar para outro onde as pessoas fossem diferentes de mim. De modo que ao deparar-me com aquelas caras de formas e côres distintas e com aquelas vozes que conversavam em três idiomas em simultâneo, isso veio apenas reforçar a minha expectativa original: cada pessoa naquela fábrica estaria ali por um romantismo qualquer diferente do meu e também diferente de todos os outros, e eu queria conhecê-los a todos para depois escrever sobre eles.

Até há pouco tempo acreditei que me havia enganado: as histórias das suas vidas pareceram-me sempre estar muito longe literatura. E a verdade é que, colocando de parte um antilhano de dois metros ao qual fui buscar os alicerces para uma pesonagem do meu segundo romance (este sim, tornado público), esta é a primeira vez que escrevo sobre aquela fábrica de imigrantes na Holanda. Pois após ter escutado todos os relatos das suas viagens até ali, descobri que era possível resumir todas as motivações daqueles homens e daquelas mulheres a duas palavras apenas: dinheiro e amor. E diria ainda que os trabalhadores da fábrica se dividiam entre estes dois estímulos tão comuns ao ser humano em dois grupos quase iguais. Havia aqueles que tinham largado tudo o que conheciam para ir em busca de um meio de sobrevivência; e depois havia os que tinham partido atrás dos primeiros por não suportarem a penúria da distância. Só isso. Nada de desejos de aventuras ou esperanças no futuro da humanidade, nada de sonhos remotos por uma vida maior ou vontade de conquistar mais mundo, nada de gloriosas campanhas à procura da felicidade. Apenas a certeza inabalável na velha lei da oferta e da procura e no antigo mito de que algures no velho continente a procura de mão-de-obra supera a oferta. Mas também a fé nesse mito mais antigo ainda de que se morre primeiro de amor e saudade que de fome.

Grande parte dos trabalhadores eram jovens e ainda assim muitos contavam já com largos anos de Europa no estômago e no coração. Quase todos tinham já vivido noutros países antes de chegarem à Holanda e conheciam mais cidades e costumes que um jovem europeu em viagem de combóio no Verão. Tinham ensinado os ouvidos e a alma a escutar novas sonoridades musicais, tinham provado drogas que já conheciam e outras que lhes eram estranhas, tinham estudado para terminar o liceu, alguns até a universidade, tinham tirado a carta de condução, tinham casado com a namorada que entretanto chegara do outro lado do mundo, tinham tido filhos, tinham traído a pessoa a quem amavam e por quem haviam atravessado meio mundo, tinham comido as iguarias exóticas desta terra tão velha, tinham comprado as roupas da moda, e muitos não tinham feito mais do que acordar de manhã para trabalhar na fábrica e regressar a casa no final do dia sem outra vontade para além de sonhar durante a noite. Enfim: entretanto tinham vivido. E, porém, tudo isso era menor quando comparado com a sede sempre viva de dinheiro ou de amor.

Os quatro idiomas que falo nunca me permitiram aproximar-me deles da maneira que tinha desejado. Enquanto eu estava ali a prazo, todos eles viviam um dia depois do outro na esperança eterna de que o mundo não mudasse outra vez de repente. Pois todos eles falavam muito em regressar a casa, quando fosse lá que estivesse o dinheiro ou amor.


David Machado

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

«A Grande Noite do Tubarão

E então ganhámos.

Aquilo que eu comecei por dizer nos meus agradecimentos é mesmo verdade: Receber o Prémio Autor de Melhor Livro de Literatura Infanto-Juvenil parece-me incrível. Eu adoro este livro, adoro a história, a forma como as personagens pensam, cada um dos episódios hilariantes. Mas "O Tubarão na Banheira" é a história mais disparatada que já escrevi. Aliás, isso foi sempre a minha intenção. Mesmo antes de inventar o tubarão, ou o peixinho Osvaldo, mesmo quando esta história não era sequer uma ideia, aquilo que eu pensava era: No meu próximo livro não quero ser certinho, não quero ser moralista, não quero transmitir nenhuma mensagem, quero apenas escrever uma história absurda que me faça rir. Não era um livro para ser levado a sério, certamente não era um livro para ganhar prémios. Mas pelos vistos o absurdo, o disparate, as coisas sem sentido, tudo isso se torna relevante se por trás do disparate existirem sentimentos e emoções e pensamentos reais, com os quais o leitor se identifica.
Fico muito contente que os três membros do júri tenham entendido o livro desta forma. Ontem, quando recebi o prémio não o disse, mas agradeço obviamente ao Pedro Mexia, à Rita Pimenta e à Annabela Rita pela distinção. E também não disse nada sobre os outros dois nomeados, a Cristina Carvalho e o Eugénio Roda, mas acredito que também eles estão de parabéns. Pelo menos eu já me sentia de parabéns só por estar nomeado.

E tenho de falar do Paulo Galindro, claro. Para mim foi uma satisfação enorme o Paulo ter acabado por subir também ao palco (e já agora também o João), porque como disse, "O Tubarão na Banheira" tem dois autores. Para mim não faz sentido distinguir o texto e deixar de lado as ilustrações, porque no caso deste livro (devia ser assim em todos os livros ilustrados, mas infelizmente não é) um não vive sem outro, complementam-se a vários níveis, é uma espécie de dança. Tenho pena que a SPA e a RTP, ao pensarem nos regulamentos do prémio não tenham contemplado isso. Mas não importa. Acabou por se resolver da melhor maneira.

Por agora, resta-me agradecer por todas os sms, e-mails e mensagens no facebook que estou a receber há 24 horas, primeiro de força, depois de parabéns. Um abraço do tamanho do Universo para todos. Saber que o vosso apoio existe torna este dia tão mais especial.

E ficamos por aqui. O maior post deste blog até hoje, porque este é o maior momento deste blog até hoje.

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David Machado (retirado daqui)




segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Prenda de Natal de David Machado



Branco







Fui eu que reparei primeiro que quem jogava com o batalhão das peças pretas quase sempre ganhava. O Gabriel ficou um minuto pensativo, passando em revista todas as nossas partidas de xadrez das últimas semanas e por fim concordou comigo. Jogávamos todas as tardes, depois do almoço, sentados em duas enormes poltronas de pele no escritório da sua casa, porque desde que metemos os papéis para a reforma, aquela era, para todos os efeitos, a nossa profissão. Ele sugeriu, por brincadeira, que pintássemos as peças brancas também de preto, só para ver o que acontecia. E eu, muito sério, disse: «Não, vamos antes pintar as pretas de branco, porque assim o jogo é mais difícil para os dois.» Foi assim que começou. Mal começámos a jogar, percebemos a natureza fantástica e libertadora daquele novo jogo acabado de inventar. À oitava jogada, sem querer, o Gabriel moveu um dos meus bispos para comer o seu pião mais avançado no tabuleiro, mas nenhum de nós se deu conta. A partir daí as peças confundiram-se de tal maneira que no final sabíamos que um de nós tinha ganho, só não sabíamos qual dos dois. Jogámos esse jogo durante algumas semanas, até que um dia Gabriel me recebeu no escritório com uma sugestão ousada: «Vamos pintar de branco os quadrados pretos do tabuleiro.» Eu percebi imediatamente a sua intenção e aceitei: assim as peças moviam-se sem entraves no terreno da batalha, tornando possíveis estratégias até aí nunca imaginadas. Além disso, algumas peças brancas desapareciam camufladas no tabuleiro nevado proporcionando verdadeiros ataques inesperados. Uma semana mais tarde – estávamos tão embrenhados naquela nova modalidade de xadrez que já nem nos lembrávamos que um mês antes o tabuleiro havia sido, de facto, um xadrez – eu tinha a minha rainha encosta a um canto, prestes a ser abatida pela última torre do Gabriel quando de súbito recorri a uma estratégia improvisada para escapar: peguei na latinha de tinta branca que mantínhamos no chão ali por perto e com o pincel pintei área ao lado do tabuleiro da mesa em que jogávamos. Depois avancei com a rainha para essa zona. O Gabriel não moveu sequer uma sobrancelha e continuou circunspecto à procura da sua próxima jogada. Nessa noite, a mulher dele encontrou-nos perdidos na luminosidade ofuscante do escritório, a jogar xadrez no tabuleiro indistinguível das silhuetas das duas poltronas, do tapete, da secretária e das estantes com livros, tudo pintado de branco, no mesmo instante em que o Gabriel, com o pincel na mão, se preparava para pintar as próprias calças, na tentativa de fugir com o seu rei ao xeque-mate iminente do meu cavalo.




*****

Paulinho,



aqui vai o ficheiro com o conto prometido. É a minha prenda de Natal para o Blog de Ruivães. Espero que gostem.



Bom Natal e um grande abraço para todos,

David